“Dai a César o que é de César”...
Quarenta
e quatro anos antes de Cristo, num dia 15 de março, Caio Júlio
César recebeu do senador Publius Servilius Casca aquilo que os
republicanos julgavam devido ao César: o primeiro golpe de punhal, desferido
pelas costas. Eram os idos de
março.
Naquele tempo, o mês dos romanos dividia-se em função de três
dias referenciais: as calendas (o dia em que o mês começava), as nonas (dia 5) e o idos (ou
"idus"), o dia 13. Os outros dias (postridie)
eram denominados a partir dessas calendas, nonas ou idos.
“Cuidado com os idos de
março!”, profetizou o harúspice Spurinna. Apesar disso,
Júlio César entrou na sala do senado gracejando: - Tuas
predições estavam erradas, Spurinna – pois os idos de março chegaram
sem trazer-me nenhuma desgraça. – É
certo, César; - respondeu o adivinho – os idos de março chegaram, porém ainda não passaram.
Entre aclamações de “salve,
César!” os conjurados cercam-lhe o assento, tomam-lhe as
mãos beijando-as em sinal de respeito e consideração: - Desejamos
que sejas bem sucedido nos projetos de hoje....
Nisso, um pequeno grupo se aproximou. César, pressentindo a
ameaça, levantou-se para recuá-los. Mas Túlio Cimber adiantou-se,
descobriu-lhe os ombros enquanto Casca, vindo por detrás, desferiu o primeiro
golpe no ombro do Imperador. César segurou o braço de Casca e exclamou: - Pérfido
Casca, que fazes? E o agressor respondeu em grego: - Meu
irmão, socorro! braços, falai por mim! Os senadores amontoaram-se
sobre César desfechando-lhe vários golpes de punhal por todo o corpo. César
tentou se defender como uma fera encurralada, mas no instante supremo, Marcus
Junius Brutus – seu filho adotivo - desferiu-lhe o golpe de misericórdia
na virilha. Agonizando, César olhou para seu protegido e disse: - Até
tu, Brutus, meu menino?... e cobriu o rosto com a borda da toga,
enquanto as adagas dos senadores transpassavam várias vezes o corpo já sem
vida.
Até aqui, tudo mal – esse episódio retrata o terrível
aspecto humano que faz de quem auxilia e instrui, uma vítima da revolta do
discípulo. Marcus Junius Brutus, protegido de Júlio César, reproduziu o papel
do mitológico Seth egípcio que armou uma trama contra seu irmão Osíris, assassinando-o
no dia 17 do mês de Háthor e mais tarde despedaçando-lhe o corpo em
catorze pedaços espalhados pelo Nilo. Até aqui, como eu disse, tudo mal: o
discípulo mata o mestre, Édipo mata o pai, Judas entrega Jesus.
Mas, no caso de César, o pior estava para acontecer. A narração
está na tragédia “Julius Caesar” de Shakespeare – Terceiro
Ato, Cena II, durante o discurso de Brutus aos cidadãos romanos: “Cidadãos romanos, amigos meus - fazei silêncio para que
possais ouvir os meus motivos. Crede em mim e em minha honra para que possais
vos convencer. Julgai-me segundo vossa sabedoria. E se aqui houver algum
amigo afetuoso de César, dir-lhe-ei que o amor que eu dedicava a César não
era menor. E se alguém me perguntar por qual motivo levantei-me contra César,
minha resposta é que não foi por amar menos a César, mas por amar mais a
Roma. Teríeis preferido César com vida e vós como escravos, ou que ele
morresse, para que vivêsseis como homens livres? Por eu ter amado César,
choro agora; quando ele foi feliz eu me alegrei e por ter sido valente,
honro-o ainda. Mas, por ter sido ambicioso, matei-o. Portanto, lágrimas para
a amizade, alegria para sua fortuna, honra para o valor e morte para a
ambição. Haverá alguém aqui que tão vil deseje ser escravo? Se houver, que fale,
pois o ofendi. Haverá alguém tão desprezível, que não ame sua pátria? Se
houver, que fale, porque o ofendi.” E os cidadãos
responderam em coro: “Ninguém,
Brutus; ninguém!”.
Os historiadores dirão que esse discurso é imaginação típica da
dramaturgia shakespeariana. Sim, pode ser. Mas que esse Marcus Junius Brutus
era um bruto e Publius Servilius Casca um casca grossa, disso eu não tenho a
menor dúvida.(José Maurício Guimarães ) Arquivo do amigo J.R.Rocha
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