A ÁGUA DO MUNDO
Vou
correndo, como se isso me fizesse escapar dos pingos da chuva que se
inicia. Menos tempo na chuva, pode ser ilusório, mas tenho a impressão
de que ficarei menos molhado, de que chegarei menos ensopado. Com o
canto do olho observo o senhor que com a mangueira termina de limpar a
calçada, mesmo sabendo que a chuva há de modificar todo o cenário nos
próximos instantes. Ou vai trazer de volta toda a sujeira que ele está
tirando ou vai lavar outra vez o que ele acabou de lavar.
A
água que cai do céu cai purinha, purinha, é o que penso enquanto corro
dela. A água que cai do céu. Lembro-me do livro da Camille Paglia em que
ela afirmava, ou pelo menos foi o que me recordo de ter dali subtraído,
que o homem havia optado por viver em grupo por temor aos fenômenos
naturais: chuvas, clima, terremotos etc. Foi preciso se unir contra as
forças da natureza. As forças amorais na natureza. Quando passa um
furacão levando tudo, bons ou os maus, estão todos ameaçados. Quando
chove muito e tudo começa a inundar, anjos e demônios poderão estar, em
breve,
igualmente submersos. Quando a água falta, senhores e escravos
morrem da mesma sede. Há forças mais poderosas que a maldade humana.
Os
destinos turísticos são, em sua maioria, lugares interessantes por
causa da água. Praias, lagos, rios, cachoeiras: somos naturalmente
atraídos pela água. A simples vista para o mar ou rio já torna um
ambiente mais interessante. Parece óbvio o que digo mas se levarmos em
conta que grande parte do planeta é tomado por água isso passa a ser,
sim, digno de nota: vivemos em meio a tanta água e ainda somos tão
fascinados por ela! Nosso organismo é também, em sua maior porção, água.
Somos água, viemos da água, para a água voltaremos e, enquanto tivermos
como aproveitar a vida, queremos fazê-lo perto de alguma fonte de água
límpida, na beira de um rio ou mar. Navegando, que seja. Queremos água.
Vivemos,
porém, sob o alerta de que a água pode acabar. É preciso economizar.
Parece absurdo pois a água é absolutamente indestrutível! Se você toca
fogo ela vira fumaça e depois volta a ser água, se congela ela derrete e
volta a ser água, seja lá o que se faça com ela, a água volta a ser
água depois de um tempo, pura e cristalina. E na mesma quantidade! Pois
é. Mas pode voltar salgada. Sabe lá o que é morrer de sede em frente ao
mar? O prejuízo maior que a água pode sofrer é a poluição. Uma vez
poluída a água pode demorar muitos anos para voltar ao seu estado
natural, potável, como os pingos da chuva lá do início.
Volto
ao início e ao senhor que tentava varrer uma folha de árvore,
pequenina, da porta de seu prédio, segundos antes da chuva começar.
Quantos litros de água pura ele desperdiçava naquela tarefa imbecil? Não
seria mais fácil varrer a folhinha ou pegá-la com a mão? Aquela água
correria para o bueiro e se juntaria ao esgoto cheio de substâncias
químicas e de lá iria parar sabe-se lá onde, mas, poluída, demoraria um
tempo enorme para voltar para o reservatório d'água da cidade. Este
tempo é que pode ser o suficiente para uma cidade entrar em caos por não
ter o que beber. A água não vai "acabar" nunca, mas talvez, um dia,
não possamos usufruir dela onde e como gostaríamos. Talvez as grandes
desgraças naturais não nos metam tanto medo porque o que nos vai
derrotar mesmo sejam as folhinhas nas calçadas. Aguadas de estupidez.
(Leo Jaime em23/03/2006)
Leiam o texto "...Penso, logo existo" palavra de muitos"
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